Função de Lagrange

Mecânica clássica
Diagramas de movimento orbital de um satélite ao redor da Terra, mostrando a velocidade e aceleração.
Cinemática
  • v
  • d
  • e

Na mecânica clássica, a função de Lagrange, lagrangiana (português brasileiro) ou lagrangiano (português europeu) ( L {\displaystyle {\mathcal {L}}} ) de um sistema é uma função expressa em termos das coordenadas generalizadas q i {\displaystyle q_{i}} , da taxa de variação dessas coordenadas (velocidades generalizadas) q ˙ i {\displaystyle {\dot {q}}_{i}} e do tempo t, e dada matematicamente pela diferença entre a energia cinética ( T {\displaystyle T} ) e a energia potencial generalizada ( U {\displaystyle U} ) do sistema:

L ( q i , q ˙ i , t ) = T U {\displaystyle {\mathcal {L}}_{(q_{i},{\dot {q}}_{i},t)}=T-U} .[Ref. 1][Ref. 2][Ref. 3]

Por padrão a energia potencial é função apenas das coordenadas generalizadas (sistemas conservativos) e/ou do tempo, contudo, a exemplo do que observa-se para o caso eletromagnético, quando na forma adequada, admite-se o uso de um potencial "generalizado", que é função também das velocidades generalizadas. O potencial eletromagnético generalizado[1][Ref. 3] permite a descrição de partículas elétricas imersas em campos eletromagnéticos via Mecânica de Lagrange, a exemplo. Forças dissipativas proporcionais às velocidades generalizadas também são admissíveis via potenciais dissipativos, a exemplo o potencial dissipativo de Rayleigh.[2][3] [Ref. 3]

A lagrangiana é termo central na integral temporal que define o que se denomina em Física por ação. Diferente da Mecânica de Newton, junto com o princípio de Hamilton da ação em extremo, a lagrangiana e a Mecânica de Lagrange definem toda a dinâmica de um sistema sem recorrer a vetores e diagramas vetoriais, fazendo-o de forma a usar essencialmente funções escalares. Nesses termos a lagrangiana porta-se como uma equação fundamental do sistema a qual associa-se, encerrando em si todas as informações acerca do sistema. Pode-se pois, a partir dela e do formalismo atrelado à Mecânica de Lagrange, obter qualquer informação desejada acerca do sistema. A lagrangiana possui dimensões de energia, joules no S.I..[Ref. 1][Ref. 2][Ref. 3]

Associado à lagrangiana de um sistema, via Transformada de Legendre, tem-se o hamiltoniano H {\displaystyle {\mathcal {H}}} do sistema, essa uma função das coordenadas generalizadas q i {\displaystyle q_{i}} , dos momentos conjugados generalizados p i {\displaystyle p_{i}} e do tempo t. O Hamiltoniano H ( q i , p i , t ) {\displaystyle H_{(q_{i},p_{i},t)}} , definido por H = T + U, também caracteriza uma equação fundamental, e juntamente com o formalismo da Mecânica de Hamilton, constitui formalismo alternativo plenamente equivalente ao de Lagrange no que tange à descrição da dinâmica do sistema.[Ref. 2] Tais formalismos encontram importante aplicação também dentro da relatividade.[Ref. 4]

Embora amplamente aplicada ao campo da dinâmica de energia e matéria, o cálculo variacional não limita o raciocínio à campos específicos da Física. Diversos problemas nas mais variadas áreas mostram-se suscetíveis ao tratamento similar.

Exemplos

Mecânica

Partícula livre

Uma partícula livre move-se em ausência de força resultante, idealmente em ausência de força aplicada. Logo sua lagrangiana define-se apenas por sua energia cinética em caso limite.

L = T U = T = 1 2 m [ x ˙ 2 + y ˙ 2 + z ˙ 2 ] {\displaystyle {\mathcal {L}}=T-U=T={\frac {1}{2}}m[{\dot {x}}^{2}+{\dot {y}}^{2}+{\dot {z}}^{2}]}

onde, conforme convenção, x ˙ = d x d t = v x {\displaystyle {\dot {x}}={\frac {dx}{dt}}=v_{x}} e assim por diante.

Para movimento confinado ao plano xy, e em coordenadas polares:

x = r cos θ {\displaystyle x=r\cos \theta }

y = r sin θ {\displaystyle y=r\sin \theta }

de onde, derivando-se:

x ˙ = r ˙ cos θ r θ ˙ sin θ {\displaystyle {\dot {x}}={\dot {r}}\cos \theta -r{\dot {\theta }}\sin \theta }

y ˙ = r ˙ sin θ + r θ ˙ cos θ {\displaystyle {\dot {y}}={\dot {r}}\sin \theta +r{\dot {\theta }}\cos \theta }

Quadrando-se as velocidades generalizadas e com o auxílio de algumas relações trigonométricas tem-se pois que:

L ( r , r ˙ , θ , θ ˙ , t ) = 1 2 m [ r ˙ 2 + ( r θ ˙ ) 2 ] {\displaystyle {\mathcal {L}}_{(r,{\dot {r}},\theta ,{\dot {\theta }},t)}={\frac {1}{2}}m[{\dot {r}}^{2}+{(r{\dot {\theta }})}^{2}]}

Máquina de Atwood
Máquina de Atwood. No texto, x corresponde à distância da massa da esquerda (massa M1) até a linha horizontal que passa pelo centro do disco. A altura da massa M2 é l-x, onde l representa tamanho total de corda em suspensão.

Na máquina de Atwood, considerando g a aceleração da gravidade, M1 a massa da esquerda e M2 a massa da direita, a energia potencial do sistema escreve-se:

U = M 1 g x M 2 g y {\displaystyle U=-M_{1}gx-M_{2}gy} ,

uma vez adotado o nível de referência como sendo uma linha horizontal a passar pelo centro do disco. Nessa situação x e y representam os tamanhos em suspensão da corda que sustentam respectivamente as massas M1 e M2.

Há um vínculo entre x e y de tal forma que x + y = c {\displaystyle x+y=c} é uma constante, o tamanho total de corda em suspensão. Nesses termos, basta uma coordenada generalizada para descrever-se o problema, à escolha, x, e reescreve-se a energia potencial gravitacional como:

U = M 1 g x M 2 g ( c x ) {\displaystyle U=-M_{1}gx-M_{2}g(c-x)}

Em uma máquina de Atwood ideal a polia e a corda têm massas desprezíveis se comparadas às massas M1 e M2. Nesse caso a energia cinética total se escreve:

T = 1 2 M 1 ( d x d t ) 2 + 1 2 M 2 ( d ( c x ) d t ) 2 = 1 2 ( M 1 + M 2 ) x ˙ 2 {\displaystyle T={\frac {1}{2}}M_{1}\left({\frac {dx}{dt}}\right)^{2}+{\frac {1}{2}}M_{2}\left({\frac {d(c-x)}{dt}}\right)^{2}={\frac {1}{2}}(M_{1}+M_{2}){\dot {x}}^{2}}

e a função de Lagrange escreve-se:

L ( x , x ˙ , t ) = T U = 1 2 ( M 1 + M 2 ) x ˙ 2 + M 1 g x + M 2 g ( c x ) {\displaystyle L_{(x,{\dot {x}},t)}=T-U={\frac {1}{2}}(M_{1}+M_{2}){\dot {x}}^{2}+M_{1}gx+M_{2}g(c-x)}

que encerra em si toda informação necessária ao cálculo da dinâmica do sistema.

Seguindo-se com o formalismo de Lagrange, tem-se que a equação de movimento deve satisfazer à equação de Lagrange:

d d t ( L q ˙ i ) L q i = 0 {\displaystyle {\frac {d}{dt}}\left({\frac {\partial L}{\partial {\dot {q}}_{i}}}\right)-{\frac {\partial L}{\partial q_{i}}}=0} .

Neste caso há apenas uma coordenada generalizada, qi = x. Determinando-se as derivadas tem-se:

L x = ( M 1 M 2 ) g {\displaystyle {\frac {\partial L}{\partial x}}=(M_{1}-M_{2})g}

L x ˙ = ( M 1 + M 2 ) x ˙ {\displaystyle {\frac {\partial L}{\partial {\dot {x}}}}=(M_{1}+M_{2}){\dot {x}}}

d d t ( L x ˙ ) = ( M 1 + M 2 ) x ¨ {\displaystyle {\frac {d}{dt}}\left({\frac {\partial L}{\partial {\dot {x}}}}\right)=(M_{1}+M_{2}){\ddot {x}}}

Levando os resultados à equação de Lagrange tem-se a equação diferencial para o sistema:

x ¨ = a = M 1 M 2 M 1 + M 2 g {\displaystyle {\ddot {x}}=a={\frac {M_{1}-M_{2}}{M_{1}+M_{2}}}g}

onde a é a aceleração das massas. Tal equação é análoga à obtida via aplicações diretas da lei de Newton conforme descrito em artigo específico, conforme esperado.

A equação horária para x obtém-se com facilidade doravante mediante integração, sendo a resposta análoga à de um movimento retilíneo uniformemente variado com aceleração constante a = x ¨ {\displaystyle a={\ddot {x}}} :

x ( t ) = X 0 + V 0 t + 1 2 ( M 1 M 2 M 1 + M 2 g ) t 2 {\displaystyle x_{(t)}=X_{0}+V_{0}t+{\frac {1}{2}}\left({\frac {M_{1}-M_{2}}{M_{1}+M_{2}}}g\right)t^{2}}

com X 0 {\displaystyle X_{0}} e V 0 {\displaystyle V_{0}} correspondendo a constantes, respectivamente o comprimento em suspensão inicial da corda para a massa M1 e a velocidade descendente inicial (no sentido de x crescente) da massa M1, determinados no instante em que zera-se o tempo (t=0s).

Microeconomia

Na microeconomia a função lagrangiana (ou simplesmente lagrangiano) é uma função utilizada para resolver problemas de otimização com restrição, tanto em mecânica quanto em outras áreas não necessariamente da física.

Suponha uma economia com apenas dois bens, banana (b) e abacate (a). Pode-se querer maximizar a utilidade, grosso modo a satisfação do consumidor - no problema representada pela função "u", que é logaritmicamente tanto maior quanto maior for o consumo dos bens banana e abacate - mantida contudo uma restrição orçamentária especificada.

O problema resume-se pois em:

  • max u ( q a , q b ) = max ( ln ( q a ) + ln ( q b ) ) u ( q a , q b ) {\displaystyle \max u\left(q_{a},q_{b}\right)=\max {\underbrace {\left(\ln(q_{a})+\ln(q_{b})\right)} _{u(q_{a},q_{b})}}}

com q b , q a {\displaystyle q_{b},q_{a}} representando a quantidade consumida de banana e de abacate respectivamente, e o símbolo l n {\displaystyle ln} representa o logaritmo neperiano, isso sob uma restrição orçamentária que traduz-se em linguagem matemática por:

  • p a × q a + p b × q b S {\displaystyle p_{a}\times q_{a}+p_{b}\times q_{b}\leq S} ,

com p b , p a {\displaystyle p_{b},p_{a}} correspondendo aos preços de banana e abacate respectivamente e S ao salário do consumidor em questão.

Pela lei de Walras, esta desigualdade vale como igualdade, ou seja, o consumidor gastará todo o seu salário.

O lagrangiano deste problema fica então[4]:

L ( x 1 , x 2 , μ ) ( ln ( q a ) + ln ( q b ) ) u ( q a , q b ) μ ( p a × q a + p b × q b S ) {\displaystyle L\left(x_{1},x_{2},\mu \right)\equiv \underbrace {\left(\ln(q_{a})+\ln(q_{b})\right)} _{u(q_{a},q_{b})}-\mu \left(p_{a}\times q_{a}+p_{b}\times q_{b}-S\right)}

A variável μ {\displaystyle \mu } que multiplica a restrição é chamada de multiplicador de lagrange.[4]

A quantidade ótima de consumo ( q a , q b ) {\displaystyle (q_{a}^{*},q_{b}^{*})} que resolve este problema atende a três condições:

L μ = 0 ( p a × q a + p b × q b S ) = 0 {\displaystyle {\frac {\partial L}{\partial \mu }}=0\rightarrow \left(p_{a}\times q_{a}+p_{b}\times q_{b}-S\right)=0}
L q a = 0 1 q a × 1 l n ( q a ) q a + ( μ p a ) = 0 {\displaystyle {\frac {\partial L}{\partial q_{a}}}=0\rightarrow \underbrace {{\frac {1}{q_{a}}}\times 1} _{\frac {\partial ln(q_{a})}{\partial q_{a}}}+\left(-\mu p_{a}\right)=0}


L q b = 0 1 q b × 1 l n ( q b ) q b + ( μ p b ) = 0 {\displaystyle {\frac {\partial L}{\partial q_{b}}}=0\rightarrow \underbrace {{\frac {1}{q_{b}}}\times 1} _{\frac {\partial ln(q_{b})}{\partial q_{b}}}+\left(-\mu p_{b}\right)=0}

Referências

  1. a b Thornton, Stephen T.; Marion, Jerry B. (1995). Classical Dynamics of Particles and Systems (em inglês) 4 ed. Fort Worth: Saunders College Publications. ISBN 978-0030973024 
  2. a b c Aguiar, Márcio A. M. de - Tópicos em Mecânica Clássica - 11 de novembro de 2010
  3. a b c d Goldstein, Herbert (1980). Classical Mechanics (em inglês) 2 ed. Reading: Addison-Wesley. ISBN 978-0-201-02918-5 
  4. R.P. Feynmann (1948): Review of Modern Physics, 20, p. 367.
  • Outras referências:
  1. U = q ϕ + q c A . v {\displaystyle U=-q\phi +{\frac {q}{c}}{\vec {A}}.{\vec {v}}} em unidades gaussianas.
  2. F = 1 2 Σ ( k x v i x 2 + k y v i y 2 + k z v i z 2 ) {\displaystyle {\mathcal {F}}={\frac {1}{2}}\Sigma (k_{x}{v_{ix}}^{2}+k_{y}{v_{iy}}^{2}+k_{z}{v_{iz}}^{2})} com soma sobre as partículas i do sistema. Segue-se que a força de atrito f a x = k x v x = ( v F ) x {\displaystyle f_{a_{x}}=-k_{x}v_{x}=(-\nabla _{v}{\mathcal {F}})_{x}} e assim por diante.
  3. Em casos onde as forças não podem ser expressas via potenciais, essas são explicitamente inseridas durante a solução via termos conhecidos por forças generalizadas Q j {\displaystyle Q_{j}} .
  4. a b SIMON, Carl P., e BLUME,Lawrence. Matemática para economistas. Porto Alegre: Bookman, 2004. Reimpressão 2008. ISBN 978-85-363-0307-9. Página 425 e 426.

Ver também

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Controle de autoridade
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